Além da criação de museus, é possível proteger estações e locomotivas por meio do uso social desses bens.

Mesas, cofres, balanças, calculadoras, prensas, telefones, telégrafos, relógios, ferramentas e mesmo talheres narram a história das estradas de ferro mineiras e constituem, muitas vezes, os únicos vestígios de povoados que deixaram de existir.

memória ferroviária encontrou abrigo em museus como os de Juiz de Fora (Zona da Mata) e São João del-Rei (Central), que reúnem, com Belo Horizonte, os principais acervos relativos às ferrovias no Estado.

Em contexto no qual o País perdeu 20 milhões de peças de valor histórico único e insubstituível, em incêndio ocorrido no último dia 2, no Museu Nacional, no município do Rio de Janeiro, assegurar a preservação desses bens se torna ainda mais urgente.

Além da conservação de mobiliários, instrumentos de trabalho e de comunicação, fotografias, equipamentos científicos, documentação e material rodante (locomotivas, vagões, carros de passageiros), o Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional em Minas Gerais (Iphan-MG) também atua para que construções como estações ferroviárias e pontes sejam recuperadas e conservadas. Não só por seu valor arquitetônico, como também pela sua capacidade de restituir épocas, vivências e modos de vida.

Museu Ferroviário de Juiz de Fora, instalado na sede da antiga Estrada de Ferro Leopoldina, de 1884, e inaugurado em 21 de agosto de 2003, apresenta relevante panorama sobre as ferrovias, seus impactos sociais e culturais a partir do século XIX, em Minas e no Brasil.

A visitação inclui cinco salas temáticas que revelam, por meio dos objetos biográficos, aspectos e fatos curiosos sobre as estações, as vias e até mesmo sobre o aparato tecnológico do período.

O coordenador do museu, Luiz Fernando Priamo, ao falar da origem das peças, sobretudo para alunos das escolas infantis, diz ser necessário destacar a relação dessas com o presente.

De acordo com ele, a chegada das ferrovias nos municípios não promoveu apenas a integração física dos territórios, mas também propiciou, pela primeira vez, em muitos casos, a comunicação por meio das novas tecnologias de então, que passaram a fazer parte do dia a dia de trabalhadores do setor.

“Eu mostro às crianças o meu celular e aponto para o telefone de mesa de meados de 1920, o telégrafo, a máquina de datilografar, o relógio de parede e digo: está tudo aqui”, relata. 

O museu conta também com objetos que já ultrapassaram os 100 anos, como os sinos fabricados ainda no período imperial. Um deles participou da chamada Exposição Nacional de 1861, que reuniu grandes coleções. A peça porta o selo do evento, que menciona prêmio recebido pela sua sonoridade.

Já as ferramentas e objetos comumente utilizados pelos ferroviários reconstituem a rotina de trabalho nos trilhos. As lamparinas, marretas, pés de cabra, alavancas lembram ao visitante que aqueles homens exerciam um trabalho braçal e pesado.

De outro lado, pode-se ver as janelas delicadas, o estofado felpudo e os talheres de prata, itens de vagões de luxo, onde viajavam os mais abastados, marcando assim as diferenças sociais que também atravessam os tempos.

No pátio externo do museu, estão duas locomotivas a vapor. Uma das máquinas, de origem francesa, de tamanho mais compacto que as demais, recebeu o nome de Duquesa e, segundo Luiz Fernando, se tornou o “xodó” do patrimônio cultural da região.

Proteção – Apesar da importância do acervo, ele ainda se encontra em fase de tombamento, apenas o prédio já é protegido por lei. São cerca de 400 peças, além da documentação, que chega à mesma quantidade dos itens.

Com o reconhecimento do valor cultural desses bens, o coordenador espera que o museu obtenha mais recursos e visibilidade junto à população para que outros projetos possam ser fomentados, como os de criar espaços que retratem a memória dos trabalhadores e dos passageiros do trem. Com isso, a esperança dele é trabalhar também a memória afetiva, que, para ele, “é o último ramal a ser desligado”.

O museu recebeu, apenas no ano passado, 50 eventos; em 2018, até julho, já foi ultrapassado esse número. De acordo com Luiz Fernando, em 2016, 2 mil pessoas o visitaram, já em 2017, foram 10 mil. “O museu está vivo e precisamos comemorar este feito, mas também assegurar sua permanência ao longo da história”, concluiu.

Trem atrai turistas em São João del-Rei 

São João del-Rei recebeu o primeiro complexo ferroviário de oficinas do Estado, com serviços diversos como fundição, ferraria, carpintaria e mecânica.

Hoje, no espaço, encontra-se o museu ferroviário da cidade, que foi inaugurado em 1981 justamente para celebrar o centenário da Estrada de Ferro Oeste de Minas. Também lá encontramos objetos que nos remetem à memória ferroviária, como balanças, cofres, locomotivas e telégrafos.

Bruno Abner Lagoa, analista operacional da VLI Multimodal S.A, concessionária ferroviária responsável pela conservação do museu, conta que as peças lá expostas pertenciam a várias estações ao longo da estrada.

As peças e painéis históricos contextualizam o surgimento das ferrovias, passando pela primeira linha férrea do Brasil e por figuras como o Barão de Mauá, precursor do setor no País.

Jornais da época trazem saudações à família real, que compareceu à inauguração da estação. “Ao desembarque a multidão saudou ao monarca e à sua virtuosa consorte”, traz o periódico “O Arauto de Minas”, publicado em 3 de setembro de 1881.

Ao lado do painel está a locomotiva nº 1 da Estrada de Ferro Oeste de Minas, que trouxe a comitiva do Pedro II para a solenidade.

O complexo onde se encontra o museu recebe cerca de 12 mil visitantes por mês, atraídos principalmente pelo passeio turístico de trem que faz o trajeto até o município vizinho de Tiradentes.

Segundo Bruno, está sendo preparado tour guiado que inclui o museu, o espaço externo a ele e a rotunda de 1882, construção circular utilizada para armazenar veículos ferroviários e onde esses faziam as manobras necessárias. “Há pouquíssimas no mundo”, afirma o analista.

Na rotunda, atualmente fechada ao público, será possível conhecer o funcionamento das antigas locomotivas a vapor, com uma máquina preparada exclusivamente para a finalidade didática. Os curiosos ainda poderão ver diversos exemplares de Maria Fumaça, incluindo ainda um vagão funeral, uma peça também considerada rara nos dias atuais.

De acordo com dados do Iphan, em termos de quantidade e qualidade, os municípios de Juiz de Fora, São João del-Rei e Belo Horizonte reúnem os acervos mais importantes de Minas. Os objetos que estão nesses municípios representam 89% dos bens móveis do patrimônio ferroviário, que é estimado em aproximadamente 3 mil itens.

ALMG – A proteção do patrimônio cultural ferroviário é uma das frentes de atuação da Comissão Extraordinária Pró-Ferrovias Mineiras da Assembleia Legislativa de Minas Gerais (AMLG). Os trabalhos se iniciaram em junho deste ano.

Já foram realizadas 13 atividades, entre visitas e audiências. A ALMG vai apresentar ao Poder Judiciário ação questionando o contrato de renovação antecipada da concessão da Estrada de Ferro Vitória-Minas (EFVM) à Vale.

Patrimônio cultural precisa ser abraçado pela comunidade

O Iphan é responsável, desde 2007, pela gestão e guarda dos bens móveis e imóveis, não operacionais, provenientes da antiga Rede Ferroviária Federal (RFFSA). São edificações e objetos que deixaram de ser utilizados nas operações e serviços inerentes ao sistema de transporte.

É atribuição do instituto promover o reconhecimento daqueles que possuem valor histórico e cultural, a fim de assegurar sua proteção, inclusive por meio de legislação específica.

A superintendente do Iphan-MG, Célia Corsino, explica que esse processo é conhecido como valoração cultural. Ela conta que, em princípio, os bens eram valorados para atender, em geral, demandas dos municípios.

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